Perturbações da Personalidade – afinal, o que é a personalidade?
Numa época em que somos frequentemente bombardeados, nos meios de comunicação social, pelo uso de termos médicos de forma pouco rigorosa ou esclarecedora, pareceu-me pertinente inaugurar este espaço de partilha com uma breve reflexão sobre o tema das Perturbações da Personalidade.
Antes de falarmos sobre Perturbações da Personalidade, é fundamental compreender o que se entende por personalidade.
A personalidade vai-se construindo ao longo do desenvolvimento. O temperamento (que pode ser entendido como uma disposição de base biológica que influencia a forma como a criança interage com o mundo, afetando tanto a natureza e o estilo da sua abordagem como a forma como os outros reagem a ela), em conjunto com as experiências que vamos vivendo ao longo da vida (meio envolvente), vão formando, de forma gradual, a nossa personalidade. A personalidade (que resulta da interação entre fatores biológicos, genéticos, psicológicos e ambientais) é o conjunto relativamente estável de padrões de pensamento, emoção, motivação e comportamento que caracteriza a forma como um indivíduo se percebe a si mesmo, percebe os outros e o mundo, e como responde às situações da vida.
A investigação sugere que a personalidade tende a estabilizar entre os 25 e os 30 anos, embora mudanças continuem a ser possíveis ao longo de toda a vida. Trabalhar dificuldades relacionadas com a personalidade é benéfico, mesmo em fases em que esta se encontre mais cristalizada. Ainda assim, é fácil perceber que a intervenção precoce constitui uma vantagem importante, uma vez que existe uma janela de oportunidade antes de os padrões de funcionamento se tornarem mais rígidos.
Todos nós desenvolvemos determinados traços de personalidade. Os diferentes tipos de personalidade são frequentemente agrupados em subgrupos (ou clusters), tendo em conta as angústias centrais e os mecanismos de defesa predominantes — isto é, o modo característico de cada pessoa lidar e adaptar-se ao stress interno e externo. Neste sentido, todos nós apresentamos uma determinada organização psicodinâmica.
O problema surge quando esses traços de personalidade são rígidos e desadaptativos, o que conduz a sofrimento pessoal e a dificuldades significativas ao nível dos relacionamentos interpessoais e do funcionamento no dia a dia. A maioria das pessoas já experimentou, em algum momento da vida, períodos transitórios em que os seus traços de personalidade foram fonte de sofrimento. No entanto, quando falamos de Perturbações da Personalidade, esse sofrimento não é transitório.
Uma Perturbação da Personalidade define-se como um padrão duradouro de experiência interna e de comportamento que se desvia de forma marcada das expectativas da cultura do indivíduo, é generalizado e inflexível, tem início na adolescência ou no início da idade adulta, mantém-se estável ao longo do tempo e em diferentes contextos pessoais e sociais, e conduz a sofrimento significativo ou prejuízo funcional.
Existem vários tipos de perturbações da personalidade, com características muito distintas entre si. O seu diagnóstico é clínico e deve ser feito de forma cuidadosa e longitudinal, em consulta da especialidade. De um modo geral, a primeira linha de tratamento é acompanhamento psicológico regular. Contudo, é fundamental compreender a pessoa na sua singularidade, as suas características individuais e o contexto em que se insere. Essa visão integrada e individualizada é essencial para a construção de um projeto terapêutico adequado, individualizado e eficaz.